quarta-feira, 16 de maio de 2012

Proposta Pedagógica


“Se deres um peixe a um homem, 
ele se alimentará por um dia,
se o ensinares a pescar,
ele se alimentará por toda a vida.”[1]


Mitologia pessoal

"O mito é a abertura secreta através da qual as energias inesgotáveis do cosmos são lançadas nas manifestações culturais humanas. A função primordial da mitologia e do rito sempre foi oferecer os símbolos que fazem progredir o espírito humano." [2]

Podemos utilizar o trabalho de autoconhecimento chamado “Mitologia Pessoal” como âncora para o indivíduo que experimenta uma arte corporal de outro país de cultura distinta. Refiro-me às culturas que carregam códigos e signos singulares que não são os da nossa cultura. Assim, evita-se que esta arte corporal seja simplesmente copiada e sobreposta aos signos e às couraças corporais já existentes na pessoa interessada. Ao contrário disso, com o trabalho da Mitologia Pessoal podemos digerir uma proposta para obter uma expressão corporal original. No caso, gerar uma base processual. Mesmo quando encontramos alguns signos universais é sadio ter uma base com um trabalho que nos de uma âncora e que pode ser lido através dos nossos próprios olhos. É o caso desta arte marcial interna, o Taiji quan, que se utiliza de imagens universais para a meditação ou treinamento interno e, assim, “mobiliza” imagens internas pessoais que precisam ser trabalhadas e não sufocadas ou simplesmente substituídas. Este trabalho permite considerar as imagens sem, no entanto, desenvolver um trabalho de análise psicológica. Ou seja, o orientador não atua como psicólogo. 

Ter como base e referência o trabalho com Mitologia Pessoal possibilita: 

- Trabalhar imagens universais considerando e/ou utilizando as imagens internas originadas no indivíduo que experimenta a prática do Taiji quan. 

- Possibilita a consciência do processo pessoal integrado à energia vital e ao corpo, evitando projeção no mestre ou compensações em fórmulas de outras culturas. Por exemplo: Eu praticava um estilo de Taiji quan por saber que era bom em diversos aspectos, porém ao permitir-me experimentar outros estilos, como o Chen, percebi que neste último eu praticava independentemente de um modelo com muito mais facilidade. Graças a plastica da movimentação espiralada. Neste estilo o meu corpo ampliou sua funcionalidade - abri o tórax, liberei minha respiração, ampliei meus movimentos de pernas e braços, meu metabolismo equilibrou-se, meu corpo cresceu por um todo.


Uma abordagem pedagógica

“Taiji quan é movimento corporal holístico não é ginástica” [3]

A partir deste parágrafo apresento uma proposta de transmissão do Taiji quan. No aprendizado que proponho, já na primeira ou segunda vivência facilito para que os participantes “escutem a energia”, ou seja, percebam a Energia Vital, Sutil, (Qi), em si mesmos pelo corpo. Podemos através da Energia Sutil construir a Forma, ou seja, podemos já desde o início vivenciar o aprendizado do Taiji quan com a linguagem. Falando um pouco mais da fase linguagem: Taiji quan é “movimento corporal” como expressão do movimento energético e, portanto, a meu ver a abordagem inicial para aprendizagem do Taiji quan deve ater-se à linguagem do movimento, ou seja, primeiramente o escutar a energia, senti-la e percebe-la no seu corpo. A minha sugestão não é o radicalismo de extremos, Essência versus Forma, mas sim considerar primeiramente a Essência. O que geralmente acontece na metodologia aplicada aqui no Brasil é a facilitação da Forma para depois o Escutar a Energia Sutil (percepção da Energia Sutil). Assim fica caracterizando uma atividade corporal racional ou até mesmo uma ginástica. No método apresentado proponho justamente o oposto.
Na fase “linguagem”, que é por onde começamos, são oferecidas vivências para a compreensão do que cito acima. Estas vivências são: o entendimento teórico, o relaxamento corporal, o tônus mental e corporal, a meditação com visualização, a percepção energética, o seguir a energia com movimento livre, os fundamentos aplicados em dupla (tue shou), o movimento espiral (chansijing). Gostaria de chamar a atenção para a proposta de movimentos livres nesta fase linguagem. Esta movimentação livre é o Qi Gong Livre (trabalho da Energia Livre).
Neste método evitamos transmitir movimentos preparatórios isoladamente numa seqüência bilateral, gerando assim uma plasticidade semelhante à ginástica ocidental. Por isso na fase linguagem enfatizamos os trabalhos livres de massagem, eutonia e qi gong. O tui shou, dinâmica em dupla, também entra com movimentação livre e posterior aplicação efetiva dos golpes marciais com “as linhas de força”, torções e outras aplicações, dando assim a liberdade do aluno criar mantendo o foco na aplicação marcial objetiva. O Tui shou aqui é aplicado como um dissolvente das barreiras psíquicas que os alunos tenham com o professor (lidar com a autoridade), outros alunos (sociabilidade) e com a sua própria agressividade (força construtiva). O Tui shou ancora a originalidade do Taijiquan como arte marcial. Nesta introdução o aluno tem uma ideia direta do que é o Taiji quan, ou seja, uma arte marcial interna que desenvolve evolutivamente os aspectos internos e externos do Ser. Além disso, desenvolve a autonomia na prática do Taiji.
 Num passo posterior as vivencias citadas acima os antigos sugeriram trabalhar a movimentação como “a força enrolada como fio de seda[4] e não a como a “perfeição da forma”. A força enrolada como fio de seda são movimentos que desenham espirais ligadas e contínuas: ”a força interior do Taiji não é um círculo horizontal, mas uma espiral que se eleva no espaço[5]”. Desta maneira, linguagem de movimento e condução de energia são a mesma coisa, como nas citações seguintes: “Façamos mover-se a energia como um Fio de Seda que desenrolamos de um casulo[6]” e “O boxe longo semelha às ondas de um grande rio ou mar, que se movem continuamente e sem fim [7]“. Aprofundando-se na iniciação, vivenciamos o movimento espiral diretamente nas partes da forma ou encadeamento, o que por vezes prefiro mencionar “composição coreográfica”. Não vivenciamos o espiralar em movimentação repetida bilateralmente num único movimento isolado. Foca-se a sensação espiralar no corpo evitando o fenômeno decorébação de movimentos. No capitulo 18 da apostila do curso escrevo os detalhes da transmissão e vivência do Chansijing (Força Espiralada).  
Em uma auto imersão solitária para treinamento de Taiji quan percebi que durante a execução das composições alguns movimentos eram vazios sem o Qi (Força Interna, Energia Interna). Percebi que meu corpo pedia a execução do Chansijing, o do espiralar de cada movimento, mais vezes repetidamente,  sem estipulações exatas, para gerar o Qi do movimento. Mesmo tendo praticado anteriormente o Chansijing em movimentos separados um dos outros, bilateralmente, quando eu começava uma composição a energia pedia mais estimulo pelo movimento espiral durante a execução da composição. Passei a treinar o Chansijing no encadeamento dos movimentos das composições e não em separado. Observem que neste momento eu não focava executar uma coreografia.  Depois disto é que eu executava a composição sem repetições de um mesmo espiralar. A partir desta experiência comecei a transmitir o chansijing desta maneira para todos os níveis de interessados e o resultado foi melhor, pois desarmava mentalmente o interessado, sensibilizava quanto ao perceber o movimento espiral da energia sutil durante e pós-movimento corporal, ou seja, mobilizava a energia e mobilizava intensamente grupos musculares. Esta vivência é feita até que o interessado chegue a um ponto de sentir as articulações sedosas, lubrificadas e um tônus muscular macio, ou seja, livre de tensões. Os movimentos, a princípio, serão inexatos, mas estas espirais em construção levam a uma forma harmônica ou tradicional. Inicia-se um processo onde tudo está vivo e em desenvolvimento: sensibilidade-consciência corporal, criatividade, integração e autonomia. Assim, o praticante inicia um desenvolvimento de linguagem que o prepara para qualquer composição de movimentos do estilo Chen e de outros estilos.
Sobre a capacidade de compor neste método de aprendizagem, apoio a transmissão direta com o corpo, ou seja, executar corporalmente e não mentalmente. Também não é indicada a execução dos movimentos a partir de livros e vídeos. Taiji quan é arte marcial expressa por Composição de movimentos corporais denominados “Encadeamento de Posturas ou Forma”. Plasticamente é uma coreografia marcial com possibilidade de eficiência na arte do ataque e defesa. Estas Composições de movimentos são caracterizadas com símbolos de Expansão e Recolhimento. Para dar sentido a Composição de movimentos, já criados pelas escolas seculares, devemos olhar para a Função dos movimentos das mesmas, para o que os movimentos querem expressar: aparar, desviar, pressionar, empurrar, colher e puxar, quebrar, golpe de cotovelo, golpe de ombro, avançar, recuar, proteger em todas as direções (esquerda), proteger em todas as direções (direita), estabilizar e emitir força interna.


Quadro da Didática Aplicada[8]
  
“Para aprender a desenhar, portanto, é fundamental estabelecer
condições que provoquem em nós a transição mental para uma modalidade diferente de processamento de informações...”. [9]

Aqui esta citação engloba a percepção intuitiva para desenhar e que utilizo para a percepção do movimento e para o aprendizado do Taiji quan. Para aprender Taji quan é necessário à percepção da Energia, Força Sutil experimentada a partir de outra maneira de pensar. Esta maneira de pensar  intuitivamente vem do metodo "desenhando com o lado direito do cérebro". É o pensar intuitivo e não racional. Podemos pensar pelo lado direito do cérebro de maneira funcional e não estereotipadamente rotulado como místico ou artístico.  Muitas das nossas atitudes ou percepções são resultados do pensar com o lado direito do cérebro, como: imagens, sensações, visões (que não fomos educados para considerá-las). Vide como algumas comunidades ditas primitivas se relacionavam com o mundo. Os índios, por exemplo, liam sinais na natureza e faziam disto uma ferramenta útil para sua civilização. Muitas crianças e jovens também pensam a matemática, o xadres e outras matérias de maneira intuitiva. Por isso, muitas pessoas, sejam crianças, jovens e mesmo adultos não são compreendidas. Porque elas simplesmente processam o pensar diferentemente do que temos na doutrina educacional racional. Valendo notar que o pensamento intuitivo é tão produtivo e alcança resultados tão concretos quanto o pensamento racional. Vide as abordagens sobre inteligência espacial e inteligência emocional. Educar desta forma não é Misticismo ou Iluminação Espiritual, mas sim uma forma de pensar um Caminho espiritual ou o dia a dia. Eu mesmo desenho e pinto da maneira citada acima. Intuitivamente transito entre as formas do modelo observado e o papel. No papel lanço minha inteligencia intuitiva que constrói relações de formas. Terminado o trabalho tenho condições de verbalizar e trocar com outros colegas sobre a Plastica e conceito na obra. 
Os itens abaixo foram literalmente copiados do livro “desenhando com o lado direto do cérebro”, isto porque o mesmo expõe as vias de estimulo de pensamento intuitivo.

Não Verbal: Percebe as coisas com um mínimo de conexão com palavras.

Concreta: Concebe cada coisa tal como ela é no momento.

Analógica: Vê as semelhanças entre as coisas; compreende relações metafóricas.

Não temporal: Não tem senso de tempo.

Não racional: Não precisa basear-se em razão ou fatos; não se   apressa a formar julgamentos ou opiniões.

Espacial: Vê onde as coisas se situam em relação a outras e como as partes se unem para formar um todo.

Intuitiva: Assimila as coisas aos pulos, muitas vezes à base de amostras incompletas, palpites, pressentimentos ou imagens visuais.

Holística: Apreende as coisas integralmente, de uma só vez; percebe configurações e estruturas globais, o que muitas vezes leva a conclusões divergentes.

 Dinâmica do Método Aplicado[10]
1.     sensibilização energética-corporal
2.     criatividade
3.     autonomia
4.     integração de grupo

Dinâmica do curso completo

1 a. Fase - Linguagem:
Nesta fase abordamos todo o conteúdo para iniciação: explanação teórica, massagem, equilíbrio do tônus, meditação parada, escutar a energia (percepção energética), qi gong livre (trabalho da energia), tui shou (empurrar as mãos), chansijing (movimento espiral).
Introduzimos estas vivências de acordo com o conceito exposto no capitulo “uma abordagem pedagógica”.

2 a. Fase - Composição:
Nesta fase abordamos pela primeira vez uma forma ou encadeamento (uma composição coreográfica) onde enfatizamos a ligação das partes da composição 24 movimentos. Na fase composição estimulamos a leitura de um texto em movimentos corporais, também sem nenhuma necessidade de decorébação, mas sim de estimular a visão e meios de como se construir uma composição.

3 a. Fase - Função (civil e marcial):
Nesta fase concluímos uma abordagem especificamente da característica interna que é o preparar para emitir a energia e da característica externa que é a aplicação marcial dos movimentos da forma-encadeamento. Em suma, nesta fase enfatizamos a aplicação interna e externa dos movimentos.


Dinâmica dos grupos:

Grupo iniciante:          fase linguagem
Grupo intermediário:   fase composição
Grupo avançado:        fase função





















[1] Parábola do filosofo chines Lao Tzu 
[2] CAMPBELL, Joseph. The Heroe with a thousand Faces. 2ª ed. (Princeton University Press, 1968. p. 11. Apud FEINSTEIN, David; KRIPPNER, Stanley.  Mitologia Pessoal: a psicologia evolutiva do Self. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 29

[3] Professor Jair Diniz
[4] Adaptação de texto elaborado por Li Bou Ning e traduzido por Maria Lucia Lee.
[5] Mestre Chen Fa Ke
[6] Os dez princípios essenciais do Taiji Quan, ditados por Yang Cheng Fu, escritos por Chen Weiming
[7] DESPEUX, Catherine. Tai Chi Chuan. Arte marcial, técnica da longa vida. São Paulo: Editora Pensamento, 1995.
[8] BETTY, Edwards. Desenhando com o lado direito do cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro,1984
[9] Ibidem.
[10]  Elaborado pelo professor Jair Diniz




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