“Se deres um
peixe a um homem,
ele se
alimentará por um dia,
se o
ensinares a pescar,
ele se
alimentará por toda a vida.”[1]
Mitologia pessoal
"O mito é a abertura secreta através da qual
as energias inesgotáveis do cosmos são lançadas nas manifestações culturais
humanas. A função primordial da mitologia e do rito sempre foi oferecer os
símbolos que fazem progredir o espírito humano." [2]
Podemos utilizar o trabalho de autoconhecimento
chamado “Mitologia Pessoal” como âncora para o indivíduo que experimenta uma
arte corporal de outro país de cultura distinta. Refiro-me às culturas
que carregam códigos e signos singulares que não são os da nossa cultura.
Assim, evita-se que esta arte corporal seja simplesmente copiada e sobreposta aos signos e às couraças corporais já existentes na pessoa interessada. Ao contrário disso,
com o trabalho da Mitologia Pessoal podemos digerir uma proposta para obter uma
expressão corporal original. No caso, gerar uma base processual. Mesmo quando
encontramos alguns signos universais é sadio ter uma base com um trabalho que
nos de uma âncora e que pode ser lido através dos nossos próprios olhos. É o
caso desta arte marcial interna, o Taiji quan, que se utiliza de imagens
universais para a meditação ou treinamento interno e, assim, “mobiliza” imagens
internas pessoais que precisam ser trabalhadas e não sufocadas ou simplesmente
substituídas. Este trabalho permite considerar as imagens sem, no entanto,
desenvolver um trabalho de análise psicológica. Ou seja, o orientador não atua
como psicólogo.
Ter como base e referência o trabalho com Mitologia Pessoal possibilita:
- Trabalhar imagens universais considerando e/ou
utilizando as imagens internas originadas no indivíduo que experimenta a
prática do Taiji quan.
- Possibilita a consciência do processo pessoal
integrado à energia vital e ao corpo, evitando projeção no mestre ou
compensações em fórmulas de outras culturas. Por exemplo: Eu praticava um
estilo de Taiji quan por saber que era bom em diversos aspectos, porém ao
permitir-me experimentar outros estilos, como o Chen, percebi que neste último
eu praticava independentemente de um modelo com muito mais facilidade. Graças a plastica da movimentação espiralada. Neste estilo o meu corpo ampliou sua funcionalidade
- abri o tórax, liberei minha respiração, ampliei meus movimentos de pernas e
braços, meu metabolismo equilibrou-se, meu corpo cresceu por um todo.
Uma abordagem pedagógica
“Taiji quan é movimento corporal holístico não é
ginástica” [3]
A partir deste parágrafo apresento uma proposta de transmissão do Taiji
quan. No aprendizado que proponho, já na primeira ou segunda vivência facilito para que os participantes
“escutem a energia”, ou seja, percebam a Energia Vital, Sutil, (Qi), em si
mesmos pelo corpo. Podemos através da Energia Sutil construir a Forma, ou seja,
podemos já desde o início vivenciar o aprendizado do Taiji quan com a
linguagem. Falando um pouco mais da fase linguagem: Taiji quan é “movimento corporal” como expressão do movimento energético e, portanto, a meu ver a abordagem inicial para aprendizagem do Taiji quan deve ater-se à linguagem do movimento, ou seja, primeiramente o escutar a energia, senti-la e percebe-la no seu corpo. A minha sugestão não é o radicalismo de extremos, Essência versus
Forma, mas sim considerar primeiramente a Essência. O que geralmente acontece
na metodologia aplicada aqui no Brasil é a facilitação da Forma para depois o
Escutar a Energia Sutil (percepção da Energia Sutil). Assim fica caracterizando uma atividade corporal
racional ou até mesmo uma ginástica. No método apresentado proponho justamente
o oposto.
Na fase “linguagem”, que é por onde começamos, são oferecidas vivências
para a compreensão do que cito acima. Estas vivências são: o entendimento
teórico, o relaxamento corporal, o tônus mental e corporal, a meditação com
visualização, a percepção energética, o seguir a energia com movimento livre,
os fundamentos aplicados em dupla (tue shou), o movimento espiral (chansijing). Gostaria de chamar a atenção para a proposta de movimentos livres nesta fase linguagem. Esta movimentação livre é o Qi Gong Livre (trabalho da Energia Livre).
Neste método evitamos transmitir movimentos preparatórios isoladamente numa
seqüência bilateral, gerando assim uma plasticidade semelhante à ginástica
ocidental. Por isso na fase linguagem enfatizamos os trabalhos livres de
massagem, eutonia e qi gong. O tui shou, dinâmica em dupla, também entra com
movimentação livre e posterior aplicação efetiva dos golpes marciais com “as
linhas de força”, torções e outras aplicações, dando assim a liberdade do aluno
criar mantendo o foco na aplicação marcial objetiva. O Tui shou aqui é aplicado
como um dissolvente das barreiras psíquicas que os alunos tenham com o
professor (lidar com a autoridade), outros alunos (sociabilidade) e com a sua
própria agressividade (força construtiva). O Tui shou ancora a
originalidade do Taijiquan como arte marcial. Nesta introdução o aluno tem uma
ideia direta do que é o Taiji quan, ou seja, uma arte marcial interna que
desenvolve evolutivamente os aspectos internos e externos do Ser. Além disso,
desenvolve a autonomia na prática do Taiji.
Num passo posterior as vivencias citadas acima os antigos sugeriram trabalhar a movimentação como “a força enrolada como fio de seda[4]” e não a como a “perfeição da forma”. A força enrolada como fio de seda são movimentos que desenham espirais ligadas e contínuas: ”a força interior do Taiji não é um círculo horizontal, mas uma espiral que se eleva no espaço[5]”. Desta maneira, linguagem de movimento e condução de energia são a mesma coisa, como nas citações seguintes: “Façamos mover-se a energia como um Fio de Seda que desenrolamos de um casulo[6]” e “O boxe longo semelha às ondas de um grande rio ou mar, que se movem continuamente e sem fim [7]“. Aprofundando-se na iniciação, vivenciamos o movimento espiral diretamente nas
partes da forma ou encadeamento, o que por vezes prefiro mencionar “composição
coreográfica”. Não vivenciamos o espiralar em movimentação repetida
bilateralmente num único movimento isolado. Foca-se a sensação
espiralar no corpo evitando o fenômeno decorébação de movimentos. No capitulo
18 da apostila do curso escrevo os detalhes da transmissão e vivência do Chansijing (Força Espiralada).
Em uma auto imersão solitária para treinamento de Taiji quan percebi que
durante a execução das composições alguns movimentos eram vazios sem o Qi
(Força Interna, Energia Interna). Percebi que meu corpo pedia a execução do Chansijing, o do espiralar de cada movimento, mais vezes repetidamente, sem estipulações
exatas, para gerar o Qi do movimento. Mesmo tendo praticado anteriormente o Chansijing em
movimentos separados um dos outros, bilateralmente, quando eu começava uma
composição a energia pedia mais estimulo pelo movimento espiral durante a execução da composição. Passei a
treinar o Chansijing no encadeamento dos movimentos das composições e não em
separado. Observem que neste momento eu não focava executar uma
coreografia. Depois disto é que eu executava a composição sem repetições
de um mesmo espiralar. A partir desta experiência comecei a transmitir o
chansijing desta maneira para todos os níveis de interessados e o resultado foi
melhor, pois desarmava mentalmente o interessado, sensibilizava quanto ao
perceber o movimento espiral da energia sutil durante e pós-movimento corporal,
ou seja, mobilizava a energia e mobilizava intensamente grupos musculares. Esta vivência é feita até que o
interessado chegue a um ponto de sentir as articulações sedosas, lubrificadas e
um tônus muscular macio, ou seja, livre de tensões. Os movimentos, a princípio, serão inexatos, mas estas espirais em
construção levam a uma forma harmônica ou tradicional. Inicia-se um processo
onde tudo está vivo e em desenvolvimento: sensibilidade-consciência corporal,
criatividade, integração e autonomia. Assim, o praticante inicia um
desenvolvimento de linguagem que o prepara para qualquer composição de
movimentos do estilo Chen e de outros estilos.
Sobre a capacidade de compor neste método de aprendizagem, apoio a
transmissão direta com o corpo, ou seja, executar corporalmente e não
mentalmente. Também não é indicada a execução dos movimentos a
partir de livros e vídeos. Taiji quan é arte marcial expressa por Composição de movimentos corporais
denominados “Encadeamento de Posturas ou Forma”. Plasticamente é uma
coreografia marcial com possibilidade de eficiência na arte do ataque e defesa.
Estas Composições de movimentos são caracterizadas com símbolos de Expansão e Recolhimento. Para dar sentido a Composição de movimentos, já criados pelas escolas seculares, devemos olhar para a Função dos movimentos das mesmas, para o que os movimentos querem
expressar: aparar, desviar, pressionar, empurrar, colher e puxar, quebrar,
golpe de cotovelo, golpe de ombro, avançar, recuar, proteger em todas as
direções (esquerda), proteger em todas as direções (direita), estabilizar e
emitir força interna.
Quadro da Didática
Aplicada[8]
“Para aprender a desenhar, portanto, é fundamental
estabelecer
condições que provoquem em nós a transição mental
para uma modalidade diferente de processamento de informações...”. [9]
Aqui esta citação engloba a percepção intuitiva para desenhar e que utilizo para a
percepção do movimento e para o aprendizado do Taiji quan. Para aprender Taji quan é necessário à percepção da Energia, Força Sutil experimentada a partir de outra maneira de pensar. Esta maneira de pensar intuitivamente vem do metodo "desenhando com o lado direito do cérebro". É o pensar intuitivo e não racional. Podemos pensar pelo lado direito do cérebro de maneira funcional e
não estereotipadamente rotulado como místico ou artístico. Muitas das nossas atitudes ou percepções são resultados do
pensar com o lado direito do cérebro, como: imagens, sensações, visões (que não
fomos educados para considerá-las). Vide como algumas comunidades ditas
primitivas se relacionavam com o mundo. Os índios, por exemplo, liam sinais na
natureza e faziam disto uma ferramenta útil para sua civilização. Muitas crianças e jovens também pensam a matemática, o xadres e outras matérias de maneira intuitiva. Por isso, muitas pessoas, sejam crianças,
jovens e mesmo adultos não são compreendidas. Porque elas simplesmente
processam o pensar diferentemente do que temos na doutrina educacional
racional. Valendo notar que o pensamento intuitivo é tão produtivo e alcança
resultados tão concretos quanto o pensamento racional. Vide as abordagens sobre
inteligência espacial e inteligência emocional. Educar desta forma não é Misticismo ou Iluminação Espiritual, mas sim uma forma de pensar um Caminho espiritual ou o dia a dia. Eu mesmo desenho e pinto da maneira citada acima. Intuitivamente transito entre as formas do modelo observado e o papel. No papel lanço minha inteligencia intuitiva que constrói relações de formas. Terminado o trabalho tenho condições de verbalizar e trocar com outros colegas sobre a Plastica e conceito na obra.
Os itens abaixo foram literalmente copiados do livro “desenhando com o lado direto do cérebro”, isto porque o mesmo expõe as vias de estimulo de pensamento intuitivo.
Não Verbal: Percebe as coisas com um mínimo de conexão
com palavras.
Concreta: Concebe cada coisa tal como ela é no momento.
Analógica: Vê as semelhanças entre as coisas; compreende
relações metafóricas.
Não temporal: Não tem senso de tempo.
Não racional: Não precisa basear-se em razão ou fatos; não
se apressa a formar julgamentos ou opiniões.
Espacial: Vê onde as coisas se situam em relação a
outras e como as partes se unem para formar um todo.
Intuitiva: Assimila as coisas aos pulos, muitas vezes à
base de amostras incompletas, palpites, pressentimentos ou imagens visuais.
Holística: Apreende as coisas integralmente, de uma só
vez; percebe configurações e estruturas globais, o que muitas vezes leva a
conclusões divergentes.
1. sensibilização energética-corporal
2. criatividade
3. autonomia
4. integração de grupo
Dinâmica do curso
completo
1 a. Fase -
Linguagem:
Nesta fase abordamos todo o conteúdo para iniciação: explanação teórica,
massagem, equilíbrio do tônus, meditação parada, escutar a energia (percepção
energética), qi gong livre (trabalho da energia), tui shou (empurrar as mãos),
chansijing (movimento espiral).
Introduzimos estas vivências de
acordo com o conceito exposto no capitulo “uma abordagem pedagógica”.
2 a. Fase -
Composição:
Nesta fase abordamos pela primeira vez uma forma ou encadeamento (uma
composição coreográfica) onde enfatizamos a ligação das partes da composição 24
movimentos. Na fase composição estimulamos a leitura de um texto em
movimentos corporais, também sem nenhuma necessidade de decorébação, mas sim de
estimular a visão e meios de como se construir uma composição.
3 a. Fase -
Função (civil e marcial):
Nesta fase concluímos uma abordagem especificamente da característica
interna que é o preparar para emitir a energia e da característica externa que
é a aplicação marcial dos movimentos da forma-encadeamento. Em suma, nesta fase
enfatizamos a aplicação interna e externa dos movimentos.
Dinâmica dos grupos:
Grupo iniciante:
fase linguagem
Grupo intermediário: fase
composição
Grupo avançado:
fase função
[2] CAMPBELL, Joseph. The Heroe with a thousand Faces. 2ª ed. (Princeton
University Press, 1968. p. 11. Apud FEINSTEIN,
David; KRIPPNER, Stanley. Mitologia Pessoal: a
psicologia evolutiva do Self. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 29
[3] Professor Jair Diniz
[4] Adaptação de texto
elaborado por Li Bou Ning e traduzido por Maria Lucia Lee.
[5] Mestre Chen Fa Ke
[6] Os dez princípios
essenciais do Taiji Quan, ditados por Yang Cheng Fu, escritos por Chen Weiming
[7] DESPEUX, Catherine. Tai Chi
Chuan. Arte marcial, técnica da longa vida. São Paulo: Editora Pensamento,
1995.
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